DEPOIMENTOS
Eu já tive a ilusão de ser proprietário do tempo em um período na minha vida. Quando fiz a Invernagem
Antártica (ficando 642 dias em um veleiro, sozinho) não foi porque eu goste de ficar sozinho, pois, na verdade, não gosto. Mas eu tinha a expectativa de ser dono do meu tempo, fazendo o que quisesse, indo para onde quisesse. E tive uma surpresa engraçada porque a gente tem um monte de facilidades todos os dias em que nunca presta atenção. Em geral não é a gente que lava a própria roupa, que faz a própria comida, que constrói os próprios caminhos. Quando você está isolado geograficamente, enxerga tudo isso. E então a minha ilusão durou pouco porque eu tinha uma quantidade tão grande de tarefas para fazer para ter certo conforto que, no final, eu tinha uma vida normal. Na verdade, ficar um ano e pouco lá durou muito pouco!
Eu precisava ficar mais para curtir tudo o que queria; eu precisava ficar muito mais! Já quando eu viajo com a minha família, gosto que o tempo passe mais rápido na estrada ou no mar para que dure mais quando paramos nos lugares legais. Logo, a visão do tempo muda de acordo com o que se faz. O que sei é que a única coisa que a gente não pode fazer é recuperar o tempo. Por isso gosto da minha atividade e convivo bem com essa história do tempo. Só não gosto é de perder tempo! Faço muitas coisas ao mesmo tempo e todas me dão muito prazer.
Amyr Klink, navegador
Vida e tempo coincidem? Sim. A vida de cada um de nós é o nosso tempo. Afinal, relembrando o óbvio, todas as pessoas, em qualquer época da história, sempre viveram na era contemporânea... Tempo e vida? São a mesma coisa. Minha vida é o meu tempo, ou seja, o continente no qual está o meu conteúdo vital, o invólucro no qual está contida a minha existência, o território com fronteiras que acolhem a minha presença no mundo por um período (um tempo) determinado e limitado apenas em referência aos outros tempos das outras vidas, mas absolutamente ilimitado para mim enquanto vivo. Não é casual que a gente viva reinventando a frase atribuída ao estupendo Guimarães Rosa: "O importante não é chegar nem partir, é a travessia". Entre a chegada e a partida, meu tempo, a travessia; meu tempo como a caminhada, o jeito de caminhar, o trajeto, como convivo com quem comigo caminha, a bagagem e o lugar ao qual quero chegar. Minha vida, meu tempo, ou seja, a medida que usamos para calcular quanto e quando a vida pulsa. Eu me vou, meu tempo acaba, mas o tempo não acaba, pois a vida continua. Por isso, enquanto tenho tempo, isto é, enquanto vivo, esse período é ocupado com ações e pensamentos, ideias e práticas, sucessos e fracassos. Como o que faço e o que penso são escolhas minhas, o uso do tempo é questão de prioridade. Em outras palavras, como o meu tempo existirá ainda que eu fique estático, sem nada fazer além da imobilidade, o que nele faço resulta de decisão livre, a partir da importância que dou ao que farei naquele tempo.
Assim, se alguém diz "não tenho tempo para isto ou aquilo", de fato está dizendo "isto ou aquilo não são prioridade para mim". Desse modo, a grande pergunta continua sendo "no teu tempo, na tua vida, quais são as tuas prioridades?" Ou perdes tempo?
Mario Sergio Cortella, filósofo, mestre e doutor em Educacão pela PUC - SP
Aqui o tempo não passa muito rápido. No fim de semana, quando não tem atividade, é pior, parece que nunca chega a hora de dormir. Aí fora é muito diferente: a gente trabalha, estuda... Agora está mais difícil, porque já estou no período conclusivo, acho que saio na semana que vem. Com a ansiedade parece que os dias demoram mais. Mas faço o que a minha professora de Yoga ensinou. Quando acordo, digo: "Eu sou paz". Ajuda bastante. Agora vou dar valor a cada segundo, ficar perto da minha mãe, ficar com as minhas sobrinhas, mostrar o que aprendi.
G. J. O., detenta da Fundação Casa (antiga Febem)
Quando existe um movimento intenso na tela do radar, o controlador de voo depara-se com duas situações relacionadas ao tempo: em uma delas ele é curto demais apesar de, na verdade, ser longo e, na outra, ele é longo apesar de ser muito curto. No primeiro caso, o tempo de trabalho do controlador de voo dura, em média, duas horas, nas quais ele pode ter as mais diversas situações, como aeronaves com problemas na pressurização de cabine e outros. Nesse momento as duas horas de trabalho passam como se fossem minutos. O outro caso ocorre quando o controlador tem uma situação de risco, em que sabe que sua decisão tem de ser tomada o mais breve possível, com o intuito de evitar um acidente. O controlador pensa em uma solução, emite as instruções e confirma se as entenderam corretamente. Esse processo pode levar de 10 a 20 segundos. Nesse caso, apesar do tempo ser curto, tem-se a impressão de que ele é mais longo.
Ricardo Peres, Supervisor-chefe da Equipe de Controle de Aproximação Radar de São Paulo – APP SP – Aeroporto de Congonhas
Tempo é o desenrolar do meu corpo no espaço. Tempo é a memória de sensações construídas.Tempo é a invisibilidade do virá. Tempo é a solidez dos meus ossos, dos meus olhos alcançando o infinito.
Ivaldo Bertazzo, dançarino e coreógrafo
Amanhã completo 39 semanas de gestação. A cesárea já está agendada para a próxima terça-feira em função do tamanho do bebê — será um meninão. A sensação que tenho hoje é de que a gravidez está chegando ao fim e que este momento foi e está sendo muito, mas muito especial mesmo. Conforme o tempo foi passando e a barriga foi crescendo, começaram os preparativos para a chegada do bebê. Às vezes eu tinha uma sensação de que o tempo não ia contribuir, que o bebê ia chegar antes da hora e o quarto e os detalhes envolvidos não estariam prontos. Aí batia um desespero momentâneo. Mas conforme o tempo (novamente ele!) foi passando, as pendências foram concluídas e as malas da maternidade ficaram prontas, só aguardando... Hoje posso dizer que a gravidez durou o tempo suficiente porque não tive complicações. Estou curtindo muito esse tempo com meu bebê dentro de mim. Enfim, o tempo de espera está acabando e logo terei meu bebê nos braços, momento tão esperado!
Raquel Nader, mãe
O tempo, sob a visão do Vedanta, é a percepção que temos entre dois pensamentos. Quando surge o primeiro pensamento, não há tempo, apenas consciência. Durante um pensamento não há tempo. Haverá tempo quando surgir a menor "distância" possível do segundo pensamento. Assim, a menor unidade de tempo é a percepção do "espaço" entre o primeiro e o segundo pensamento. Com o terceiro pensamento, temos um fluxo e a experiência clara do que chamamos de tempo. Quando não há pensamentos, como no sono profundo, não temos a experiência do tempo. Sem pensamentos, não há concepção de tempo. Nesse sentido, o tempo existe somente na mente, em função direta da experiência do fluxo de pensamentos. Não há uma realidade absoluta no tempo, mas é certamente uma experiência que tem uma realidade, apesar de relativa. Nossa vida e nossos problemas só podem surgir com o tempo, pois dependem dos nossos pensamentos. Podemos perceber nossa realidade além do tempo quando conseguimos perceber a realidade que existe além da mente, dos pensamentos.
Rodrigo G. Ferreira, professor de Yoga e Vedanta
O tempo já foi entendido como um atributo do mundo, uma qualidade do mundo, juntamente com o espaço. Portanto, fenômeno externo ao homem. A partir do pensamento existencial, na filosofia, o tempo ganha outra interpretação e passa a ser entendido como um atributo do homem. Mas não é algo que o homem possua, como se fosse um adereço. O tempo faz parte da identidade humana, da ontologia humana.
Martin Heidegger, por exemplo, pensador de importância essencial para o pensamento contemporâneo, falecido em 1976, diz que o homem 'é' tempo. O homem descobre o tempo quando descobre sua própria finitude, quando descobre que é mortal. Saber-se mortal é saber-se um tempo que se esgota, que se emprega, que se ocupa, que acaba... Desde a compreensão da finitude, a vida ganha sentido. Como ela acaba, a passagem pelo mundo precisa ter uma direção. A morte mostra ao homem que ele é um indivíduo único, que sua vida é sem repetição possível, que ninguém pode morrer por ele, portanto, não pode viver por ele, no seu lugar. A morte é certa, mas ao mesmo tempo, incerta, porque ninguém pode saber quando, como, onde morrerá.
Percebendo-se mortal, o homem se acha convocado a apropriar-se de sua vida, a recuperar-se da dissolução numa dimensão impessoal em que se encontra e na qual se absorve, a dimensão de ser como os outros são. Hannah Arendt, também pertencente a essa tradição fenomenológico-existencial do pensamento, identifica a mortalidade como uma das condições nas quais a vida é dada aos homens, ela faz parte da condição humana. A morte é o encerramento de uma biografia. Pensar dessa maneira é pressupor que o tempo é, primeiro, entendido pelos homens como finito, e não como infinito ou eterno. O tempo sem fim é uma derivação do tempo que acaba. É uma posição contrária ao pensamento cristão tradicional, por exemplo, que acredita que o tempo eterno, que é o tempo de Deus, é o tempo original e a finitude, o tempo derivado. É bom lembrar que há ainda várias outras interpretações do tempo, como o tempo circular, cíclico da antiguidade e do pensamento mítico.
Dulce Critelli, filósofa, professora da PUCSP, terapeuta existencial e coordenadora do centro Existentia
O tempo? Eu sugo gota por gota!
Ed Motta, músico
Uma história baseada na mitologia indiana é que o motivo da criação cósmica é acomodar as almas que querem assumir a posição de Krishna como o supremo Senhor. Deus cria o Universo para satisfazer a todos nós em nossas ego trips! Entretanto, já que qualquer um é menos que Deus, é impossível competir com Ele. Então Krishna faz do impossível uma possibilidade ao criar uma ilusão temporária chamada mundo material, onde podemos nos esquecer Dele e desfrutar, sendo controladores ilusórios por algum tempo. Resumidamente, o Universo foi criado para que cada um de nós pudéssemos ter a experiência de ser o criador. Aqui caímos na física quântica. O universo da matéria é uma ilusão criada por indivíduos para ter uma sensacão de controle dele. Se é uma ilusão, como assim? A matéria não é feita de material real, de acordo com a nossa atual teoria do campo quântico. Ao que parece, a matéria é feita de luz em diferentes formas, mas sempre luz. E, para piorar, a luz vai a lugar nenhum e não leva tempo algum fazendo isso! Ainda assim, preenche o vasto Universo que vemos à nossa volta enquanto viaja grandes distâncias para mostrar o quão grande o Universo é. Mas mesmo esse gigantesco show de luzes na imensa lona do circo do Universo nunca se realizou e, se sim, terminou tão logo começou. "Tempo eu sou, o grande destruidor de mundos. Sob minha influência e presença como tempo eterno, a manifestação cósmica que você vê é criada, mantida e aniquilada em intervalos regulares por minha vontade", declara o Senhor Krishna na Bhagavad Gita. Ele nos diz que tempo, criação e aniquilação são parceiros íntimos na produção do show de luzes cósmico. E, sim, a física quântica nos diz que esse insight ancestral na natureza do tempo em uma escala cósmica de 300 trilhões de anos acaba assumindo um papel similar em uma escala de tempo muito menor que 1.280 trilionésimos de um trilionésimo de segundo.
Fred Alan Wolf, Ph.D. em física. Trecho extraído do livro Time-Loops and Space-Twists: How Our Concepts of Time, Space, and Matter have Changed From the Big Bang to the Human Brain, a ser publicado em 2010 nos EUA pela Hampton Roads Publishing
O tempo para nós, nos cursos de atualização, significa tempo resposta. Ele conta a partir do momento em que recebemos o chamado de emêrgencia até a chegada no local da ocorrência, dando atendimento. Temos até um lema: "Quando os segundos contam, contem com a gente". Temos também a Hora de Ouro, um tempo máximo de 15 minutos para atendimento de vítimas politraumatizadas. A questão do tempo é muito importante quando atuamos em salvamentos de vida. Com os anos de experiência, observei situações em que conseguimos ajudar pessoas naqueles segundos valiosos, mas depois elas vão a óbito no hospital ou a caminho dele. Já participei de resgates em que segundos foram importantes, como um na praia em que uma moça nos mostrou um afogamento. Nós já havíamos observado a vítima nadando de touca e óculos de natação e não percebemos a situação de pânico, pois ela estava caracterizada como nadadora. E há pessoas que por sentir vergonha ou medo de pedir socorro (acenando a mão ou algo parecido), acabam não se manifestando. Foi quando na última hora, no momento em que a moça conversava conosco, ele começou a gritar em desespero: "Socorroooo!". Conseguimos resgatá-lo e sua reação foi de enorme gratidão. Fez questão, no final do dia, de ir até o posto de salvamento e levar presentes, deixando contato para quando precisássemos. Mas o que vale nesse momento é a gratificação de ajudar, não há dinheiro no mundo que pague essa sensação. Outra ocorrência que marcou foi na BR-101, com dois caminhões e dois veículos de passeio. Eu estava em trânsito com um amigo e passei ali na hora por acaso. Quando as pessoas nos viram fardados, acharam que estava tudo resolvido, mas não tínhamos material algum para trabalhar! Observamos os carros, um com dois ocupantes em óbito e o outro com quatro sobreviventes, o casal preso no painel e os filhos no banco traseiro. Uma das crianças estava com as vias aéreas obstruídas por sangue e os dentinhos quebrados. Meu amigo colocou as luvas de proteção e conseguiu salvá-la. Todos do carro sobreviveram. Nesse momento realmente você acaba percebendo que os segundos são importantíssimos. Em 15 anos de trabalho vi cenas muito difíceis e busquei o lado espiritual como suporte. Para lidar com a pressão do tempo, vejo que primeiro você tem de estar bem psicologicamente e manter uma rotina com atividades físicas que elimine todo o estresse para continuar atuando com tranquilidade.
Marlon Correa, bombeiro
O tempo é demorado, a expectativa é muito grande no aguardo do transplante. Não sei quando vou ser chamada, pode ser a qualquer minuto. Esperar é muito importante, mas queria que o tempo passasse logo para diminuir minha ansiedade e angústia.
Marileide da Silva Guerra, paciente à espera de transplante de fígado, na clínica Hepato/ casa de apoio da Apat – Associação para Pesquisa e Assistência em Transplante
Fonte: www.eyoga.com.br