domingo, 29 de maio de 2011

Rumi e o oceano do amor de Deus





Artigo de William C. Chittick, professor de estudos religiosos do Departamento de Estudos Asiáticos e Asiático-Americanos da Universidade Estadual de Nova York, em Stony Brook, publicado no sítio Huffington Post, 19-07-2010. Chittick é autor de "Sufi Path of Love: The Spiritual Teachings of Rumi" [O Caminho do Amor Sufi: Ensinamentos Espirituais de Rumi].
Fonte: UNISINOS


Rumi é celebrado com justiça como um dos grandes poetas da história humana. Quando eu comecei a lê-lo como estudante, há 45 anos, eu não sabia persa e contei com o trabalho de R. A. Nicholson, que produziu a primeira edição crítica dos 25.000 versos de Rumi em "Mathnawi", junto com uma tradução completa em inglês e dois volumes de comentários (oito volumes ao todo).

Naquela época, Rumi era praticamente desconhecido fora do campo de estudos sobre Oriente Médio, por isso a sua popularidade no Ocidente é um fenômeno recente. No mundo influenciado pela cultura persa (que se estende desde os Bálcãs, passando pela Turquia, Irã, Ásia Central e o subcontinente indiano), ele foi um ícone cultural durante séculos.

Apesar de agora ser muito mais conhecido no Ocidente do que era há 40 anos, o entendimento daquilo que ele realmente está falando parece ter diminuído. Não foi fácil ler Nicholson, mas se aprende muito sobre o conteúdo religioso e filosófico dos ensinamentos de Rumi.

Todos reconhecem que Rumi foi um poeta do amor. Isso significa que a maioria das pessoas veem-no como uma aberração na história islâmica. Quando situamo-lo em seu próprio contexto histórico, no entanto, vemos que ele falou para a corrente dominante. O que fez com que ele se destacasse foi o fato de ter chegado ao coração da questão mais rapidamente e muito mais atrativamente do que a maioria dos autores. Ele faz a sua agenda explícita na introdução ao "Mathnawi": ele explica "as raízes das raízes das raízes da religião", ou seja, a religião islâmica fundada pelo Alcorão e por Maomé.

Tal como qualquer grande escritura, o Alcorão apresenta seus ensinamentos em linguagem mítica e simbólica, suscetível a uma grande gama de interpretações. Embora o Alcorão não mencione o amor tão frequentemente (cerca de 100 vezes), é fácil ver que essas poucas menções fornecem os germes de uma extensa literatura sobre os laços íntimos entre Deus e a alma humana. Nessas discussões, os autores citam aquilo que, por vezes, dizem-se ser palavras de Deus dirigidas a Davi, o salmista. Em um trecho típico, Deus diz: "Ó Davi, qualquer um que afirme me amar é um mentiroso se a noite chega e ele vai dormir em meu regaço. Todo amante não ama se isolar com seu amado?". Uma dessas supostas conversas finalmente se tornou proeminente nos ensinamentos sufistas. Davi perguntou a Deus por que ele criou o universo. Deus respondeu: "Eu era um tesouro escondido e amaria ser reconhecido, então eu criei as criaturas para que eu pudesse ser reconhecido".

Essa frase coloca séculos de reflexão sobre o amor em poucas palavras. Isso significa que Deus, em sua unidade absoluta, é infinitamente rico, ilimitadamente transbordante, misericordioso, compassivo, amoroso. Além disso, "Deus é belo", como disse o Profeta, "e ele ama a beleza". Quando ele ama, é sempre a beleza que ele ama. Em sua individualidade eterna, essa beleza é justamente o Tesouro Escondido, pois não há outra beleza. Seu infinito amor pela beleza, então, deu origem ao universo, que é definido mais sucintamente como "tudo o que não é Deus". Ele encheu esse universo com beleza, para que os outros possam compartilhar a alegria do amor.

Mas montanhas e oceanos, leões e águias, independentemente de quão belos sejam, têm pouca ou nenhuma capacidade de reconhecer a beleza nos outros. O que é necessário é uma receptividade sem limites à infinita beleza do Tesouro Escondido, e é isso que Deus deu aos seres humanos quando os criou "à sua forma", como disse Maomé, ecoando o Gênesis. O Alcorão diz: "Ele formou-te e fez tuas formas bonitas" (40:64). Deus ama os seres humanos, devido à plenitude da beleza divina que eles exibem e à sua conseguinte habilidade de reconhecer a beleza de Deus. Deus, então, pede, como qualquer amante faria, que o amem de volta.

O papel humano no universo é reconhecer a Deus, amá-lo assim como ele deve ser amado e trazer o seu amor e a sua beleza ao mundo. Essa antropologia subjaz a grande parte do pensamento islâmico e é explicitada pela poesia de Rumi. A sua relevância em curso torna-se um pouco mais óbvia quando lembramos que, na teologia islâmica, Deus não criou o universo há tanto tempo só para brincar com ele de vez em quando (a noção do Deísmo). Pelo contrário, ele sempre está criando o universo, que nada mais é do que a fagulha permanente e sempre em mudança do Tesouro Escondido. O amor de Deus por ser reconhecido nunca está ausente do mundo e das nossas vidas e constantemente infunde energia em todas as coisas.

Rumi deu uma grande variedade de nomes para a participação humana no amor de Deus – fome, sede, necessidade, vontade, desejo, paixão, fogo, queimação. Como muitos outros, ele identificou o amor com a "pobreza" mencionada no verso do Alcorão, "Ó povo, vós sois os pobres rumo a Deus, e Deus é o rico, o que merece louvor" (35:15). O amor é aquele ponto vazio em nossos corações que nunca podemos preencher, porque almeja as riquezas infinitas do Tesouro Escondido.

Uma vez, diz Rumi, éramos peixes nadando no oceano, inconscientes da água e de nós mesmos. O oceano queria ser reconhecido, por isso jogou-nos em terra seca. Reviramo-nos atrás disso, reviramo-nos atrás daquilo, buscando uma felicidade cada vez mais esquiva. É o oceano que nos atormenta? Bem, sim. Ele nos colocou aqui. Mas, quanto mais ardemos, mais intensamente amaremos a beleza do oceano, quando ele nos chamar de volta.

RUMI - PENSAMENTOS



Jalaluddin Rumi, dirigindo-se ao teólogo escolástico, pergunta com desdém:

"Você conhece um nome sem que haja uma coisa  que responda  a ele?
  Você já colheu uma rosa de R.O.S.A.?
  Você nomeia o nome DELE;vá procurar  a realidade nomeada assim!
  Olhe para a lua no céu, não na água!
  Se você deseja crescer acima dos nomes e letras,
  liberte-se do eu de um golpe.
  Torne-se puro de todos os atributos do eu,
  assim você verá sua propria essencia brilhante.
  Sim, veja em seu proprio coração o conhecimento do profeta,
  sem livro, sem tutor, sem preceptor."

"Olhe para seu próprio coração", diz o Sufi, "pois o reino de Deus está dentro de você".
Aquele que realmente conhece a si mesmo conhece a Deus, pois o coração é um espelho no qual cada qualidade divina se reflete.Mas, assim como um espelho de aço , quando coberto de ferrugem, perde seu poder de reflexão, também o sentido espiritual interior, que os Sufis chamam  de olho do coração, é cegado para a glória celestial até que a escura obstrução do eu perceptivel, com todas as suas contaminações sensoriais,seja inteiramente limpa.A limpeza, se for feita efetivamente, deve ser trabalho de Deus, embora demande certa cooperação interior da parte do homem."
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