"Tempo, na área da educação física – mais precisamente de esportes competitivos, é tudo. Tempo é aquele inimigo a quem todo atleta quer vencer ao mesmo tempo (olha ele de novo); é também o amigo que nos acompanha na jornada de treinos. É o nosso referencial. Se por um lado queremos vencê-lo apesar de ser invencível, é por meio dele que vemos as nossas limitações e quanto o esporte pode ensinar os fundamentos da vida (ética, humildade e perseverança).
Por outro lado, no esporte temos a vontade inversa da vida, pois queremos que o relógio passe rápido para que logo completemos os nossos objetivos, quando na vida queremos que ele passe devagar para que as dores e agruras da idade não se aproximem. Hoje, após 25 anos de profissão, tenho no tempo não mais um adversário, mas sim um companheiro a quem confidencio mazelas e alegrias. Sinto por ele um grande carinho e apreço, pois com o passar dele também passam algumas dúvidas e outras certezas se afloram."
Mario Sergio Silva, treinador de corrida
"A percepção da passagem do tempo é inerente à condição humana. Mas, o que é o tempo? Seria algo com existência objetiva, ou um constructo psíquico útil para ordenar os evento sem antes, agora e depois de maneira que possamos descrever as transformações que ocorrem na natureza ao nosso redor?
Podemos responder a esta questão sob várias óticas, por exemplo, sob a visão do homem comum, da física e das tradições do Vedanta e do Tantra não dualista. Para o homem comum, o tempo existe e ele o percebe objetivamente pela constatação de seu próprio envelhecimento. Na física o conceito de tempo é importante para descrever a taxa de variação de alguns fenômenos, como o movimento dos corpos no espaço.
AlbertEinstein, ao elaborar a Teoria da Relatividade Restrita, modificou radicalmente os conceitos de tempo e-espaço unindo-os num novo conceito de espaço-tempo cujas características fogem do senso comum. O tempo e o espaço respectivamente se dilatam e se contraem dependendo do referencial em que se encontram os observadores. Entretanto, o tempo parece ser somente uma variável útil na descrição dos fenômenos, e não o agente que os causa, cuja origem está na cosmologia do Big Bang.
Para as tradições não dualistas da Índia, como oVedanta e o Tantra, o tempo não existe como uma categoria objetiva. Ele surge como um constructo mental, fruto da percepção subjetiva da manifestação da Consciência do Absoluto – Brahman no Vedanta Advaita e Parama-Shiva no Tantra —, que ao se manifestar é percebido, pela cognição sensorial do humano, como um Cosmos em constante transformação. Por isso, o Absoluto é dito ser a origem conceptual do tempo. Na Cosmogonia Abhasavada do Tantra Advaita, o tempo é definido como um dos princípios da restrição consciencial que deu origem ao Cosmos, no décimoTattva, denominado kala.
No mundo em que vivemos, o tempo parece estar orientado em uma única direção, a do futuro. Nós envelhecemos e nunca desenvelhecemos. Então, poderíamos questionar se o tempo seria uma força que flui, tal como um rio, levando consigo nossas experiências e recordações. Não, o tempo não é oresponsável pelas nossas rugas, mas somente algo que nos permite medir a rapidez com que elas aparecem."
Osvaldo Marmo (Tarananda Sati),estudioso de Tantra e Samkhya Yoga
"O tempo é o nome que damos ao desenrolar da projeção do filme que é as nossas vidas, e que pode passar depressa, como quando estamos apaixonados, e pode ser demorado quando estamos entediados. Tudo não passa de uma grande ilusão ou maya. Quando nos desligamos da mente objetiva ou concreta,o dito tempo perde o seu poder de nos influenciar. Como quando estamos dormindo, em coma ou em estado alterado de consciência. O que é o tempo perto da grandeza do Universo?"
E duardo Zabotto Filho, luthier(profissional que faz e restaura instrumentos musicais)
"Como o tempo é um instrumento inventado pelos humanos para julgar a matéria, o lixo, é simplesmente lógico que nós temos de fazer ajustes nesse instrumento. Como estamos agora no pós--futuro, chegamos a um momento em que o mecanismo do tempo receberá uma revisão completa."
Mike Ladd, músico, poeta, ensaísta
"Tic-tac, tic-tac: o tempo na visão hindu. O Ocidente enxerga o tempo em uma progressão linear. O que veio antes, o que está acontecendo agora e o que ainda não aconteceu ocupam lugares contíguos ao longo de uma linha imaginária nas páginas doslivros de história, geologia ou cosmologia. Aprendemos, dessa maneira, que o que já aconteceu não se repete, e que o que ainda não veio nunca aconteceu antes.
No pensamento da Índia, assim como no de outras civilizações antigas, a ideia do tempo linear não existe. Ou existe,mas de maneira muito diferente: o tempo é cíclico e se repete incessantemente. O que está acontecendo agora já aconteceu antes. O que ainda virá já aconteceu também no passado. O curioso é que essa percepção do tempo como um ciclo infinito não é exclusiva dos indianos: para os alquimistas medievais da Europa, o Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda, é símbolo da eternidade. O círculo representa o eterno retorno, a renovação constante, o renascimento redentor. Essa imagem também nos leva a pensar no kalachakra, na roda do tempo da qual falam budistas e hindus.
O SONO DE VISHNU E OS CICLOS CÓSMICOS.
Nos Puranas, antiquíssimos textos que falam, entre outros temas, sobre a origem do Universo, o termo yoganidra (aliás, usado no Yoga para designar as técnicas de relaxamento), alude ao sono do deus Vishnu (nidra significa sono). Vishnu, como preservador da criação, descansa nas águas causais, deitado sobre a serpente de mil cabeças Anantasesha, a infinita. Durante seu sonho surge-lhe do umbigo uma flor de lótus, da qual emerge o deus Brahma para criar o mundo, iniciando um ciclo cósmico de quatro eras (mahayuga).
Na cosmogonia indiana, um yuga é uma idade ou era cósmica. Uma era cósmica é um ciclo completo de nascimento, vida e destruição do Universo. As eras são quatro: krita (a da verdade, ou de ouro), treta(a da tríade, ou de prata), dvapara (a dopar, ou de bronze) e kali (a do vício, ou deferro). O conjunto desses quatro ciclos é um mahayuga. Mil mahayugas constituem um kalpa ou um único dia na vida deBrahma. Ele vive um mahakalpa (100 anosde 360 dias cósmicos, ou seja, mais de 300bilhões de anos terrestres), que é apenas um piscar de olhos de Vishnu! A morte de Brahma determina o mahapralaya, a reabsorção e dissolução do Universo, após a qual o ciclo recomeça. Números que medem o infinito 1 mahayuga = 1,55 bilhão de anos; 1.000 mahayugas = 1 kalpa; 1.000 kalpas = 1 mahakalpa; 1 mahakalpa = 1 dia de Brahma; 1 vida de Brahma = 100 anos ou 36.000 mahakalpas; 1 mahakalpa = 311 quatrilhões de anos, que equivalem a um piscar de olhos de Vishnu!
Os nomes krita, treta, dvapara e kali referem-se ao chaturanga, um antigo jogo indiano em que há quatro combinações possíveis de dados. Ele nos remete ao Mahalila, o Grande Jogo Cósmico, que é uma metáfora para refletirmos sobre a realidade como resultado da manifestação da Consciência Manifestada, Ishvara. Assim como as quatro estações se sucedem ao longo de um ano, as quatro grandes eras se repetem ao longo do tempo, reproduzindo uma estrutura fractal que é perceptível no infinitamente grande, no infinitamente pequeno, e no que há no meio.
O TEMPO CÍCLICO,A HUMANIDADE E A NATUREZA
Assim como a serpente que morde a própria cauda, essa ideia do tempo como uma infindável sucessão de ciclos nos convida a relativizar a condição humana e nosso papel na criação. Diferentemente daquilo que poderíamos concluir olhando para o tempo linear, em que poderíamos colocar no presente, e de maneira bastante confortável, a presença humana na criação, a visão do tempo cíclico nos convida a perceber a transitoriedade e a fragilidade dessa presença. Consequentemente, nos traz de um lado uma sensação de maravilhamento perante a grandeza da criação e, de outro, uma necessária e saudável dose de humildade.
Acredito que uma parte dos problemas que a humanidade enfrenta atualmente deva-se justamente à falta de humildade, àquela atitude de excesso que os gregos chamavam hybris, “aquilo que passa da medida justa”. Presunção, arrogância e insolência em relação à natureza são manifestações de hybris. Em sua obra Estudo da História, o inesquecível Arnold Toynbee enxerga, nessa atitude de arrogância extrema, uma possível causa do colapso das civilizações. O oposto desse excesso de hybrisé sofrósina, que é prudência, parcimônia e bom senso. Se essas virtudes fossem aplicadas, se tomássemos consciência da insignificância do bicho humano diante da grandeza do tempo e da natureza, deixaríamos de ver a nós mesmos como a cereja no bolo da criação.
Em sânscrito, tempo se diz kala. Mas essa palavra também significa morte, fim, destruição. Esses termos, da mesma maneira, nos remetem à humildade e nos fazem repensar que, talvez, o nosso papel na ordem universal não seja assim tão central e que, quem sabe, deveríamos enxergar com olhos mais respeitosos e compassivos as demais manifestações da natureza. Percebendo a dimensão abismal dos ciclos cósmicos, relativizamos aquilo que entendemos como a história linear, e nos tornamos assim capazes de viver o presente da melhor maneira."
Pedro Kupfer, yogi