Desligar
é preciso - Claudia Matarazzo
O
espaço virtual é cada vez mais ocupado, frequentado, comentado. Ele
hoje é tão real que, em pouco tempo, a fronteira e o nome para
diferenciá-lo do mundo real serão imperceptíveis. E a velocidade
da evolução das novas tecnologias pede frequentes ajustes na
chamada “netiqueta”, justamente para refletir e regular as
relações e a comunicação virtual.
Pode
reparar: a conversa olho no olho, agora, é interrompida por
frequentes olhares de saudade para o tablet ou celular — sempre à
vista e à mão em posição privilegiada, como um terceiro hóspede.
É frustrante. O celular virou um companheiro praticamente
inseparável, e tem sido o grande vilão quando se trata de
extrapolar. As pessoas que estão com você ao vivo merecem mais
atenção do que o aparelho. É simples assim, e se não consegue
desligá-lo quando necessário, comece a se exercitar para dominar a
ansiedade. Sim, eu sei que pouca gente faz isso. É por isso que
vemos verdadeiras barbaridades em público, e a promiscuidade impera
nas comunicações. Pense nisso e faça a diferença.
O
Facebook, com milhões de usuários, desenvolveu-se de forma muito
particular. Assim, é bom estar familiarizado com certos “modos de
fazer”. Por exemplo: não peça a alguém para ser seu amigo mais
de uma vez. E não se ofenda se alguém não te aceitar. É um
direito. Tampouco faça pedidos de amizade a amigos dos seus amigos
se você não os conhece. Alguns usuários medem seu prestígio pela
quantidade de amigos, mas isso é bobagem. E cuidado com o que
postar. Falar mal de alguém pensando que a pessoa não vai saber só
porque não está em sua lista de amigos é um enorme engano. É bom
lembrar que a elegância passa por tudo, inclusive pela internet e
suas redes sociais. Assim, convém ter a noção de que mesmo uma
presença virtual implica uma educação real.
Vamos
às webcams: hoje, há uma verdadeira compulsão por desvendar
intimidades diante de “quanto mais pessoas, melhor”. Ora, as
câmeras de segurança de estabelecimentos comerciais, escritórios e
prédios públicos já nos mostram em elevadores, dentro dos
edifícios e nas ruas. Para que mais exposição? A privacidade e a
exclusividade, mais do que nunca, tornaram-se um luxo, e, mais do que
isso, uma meta a se perseguir se quisermos ser realmente elegantes.
Em
relação ao Twitter, suas mensagens de 140 toques permitem uma
comunicação muito mais rápida e dinâmica. Ótimo. Porém, com 140
toques, ou falamos algo sensacional ou é melhor nem teclar. Evite o
comentário gratuito ou o que apenas concorda e “paga pau” o
tempo todo. Só vale se agregar algo, concorda?
O
mundo mudou — e muito — por conta das novas tecnologias. Se para
melhor ou pior, só saberemos em mais algumas décadas, pois ainda
estamos semi-hipnotizados por essas mudanças que, para quem não
nasceu com elas (como eu), ainda parecem magia. No entanto, a mudança
na base de valores que regiam nossas vidas até então é visível e
até palpável. Se toda essa tecnologia vier a melhorar o
relacionamento entre as pessoas (e não apenas facilitar a vida
prática), ela terá alçado o seu fim. Mas, para que isso aconteça,
é preciso disciplina para que aprendamos a usar e, principalmente,
dominar as máquinas e o seu tempo de uso. Não é fácil, pois essas
máquinas não têm emoção, não ficam carentes e nem se viciam.
Nós, sim. Porém, resta-nos o livre arbítrio, o bom senso e — a
nosso favor — a paixão. De modo que é possível usar todas essas
novidades com mais benefícios do que prejuízos. Ainda bem.
Jornal
O Globo
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Claudia Matarazzo é escritora e acaba de lançar “Etiqueta sem
frescura” (editora Planeta)